RELATO DE EXPERIÊNCIA

 

A Psicologia presente e
imprescindível

São mais de 15 meses de pandemia. O início foi de expectativas, refletir sobre o desconhecido e enfrentar atividades ainda nunca executadas. Iniciamos a nossa trajetória de cuidados aos pacientes com Covid-19 mesmo antes da chegada do primeiro caso. Ainda em encontros presenciais começamos a realizar os treinamentos com as equipes do CTI: paramentação, desparamentação e as possíveis implicações nas mudanças dos processos de trabalho – como a ausência de visitas e, por consequência, a comunicação de informações médicas e atendimento psicológico de forma remota. Dúvidas e incertezas permeavam nosso fazer. 

Primeiramente com 13 leitos destinados à doença, o hospital tornou-se referência para o tratamento desses pacientes. Por um breve momento, tivemos a esperança de que o impacto não seria tão grande e os desfechos, não tão devastadores. Com uma sensação de certa normalidade, o grupo de trabalho Cuidado Centrado no Paciente – equipe multiprofissional formada por médicos, enfermeiros e psicólogos destinada a operacionalizar os cuidados humanizados no CTI – criou um grupo para informar diariamente o boletim médico, de forma remota, aos familiares dos pacientes que agora não podiam mais visitar seus entes queridos. O grupo foi intitulado “informações” e inicialmente composto por médicos intensivistas. Com o aumento expressivo dos casos, médicos de outras especialidades passaram a desenvolver a atividade com o suporte do grupo original com debriefings semanais, junto à Psicologia. 

Passamos de mais de 100 leitos e os processos de trabalho foram constantemente sendo transformados. Trabalhamos a mudança do pensamento intuitivo para o reflexivo, enfatizando a importância da segurança do profissional nas atividades a serem desenvolvidas, além de realizar momentos de orientação e escuta às demandas que surgiam a partir do impacto da pandemia no local de trabalho e no contexto social. Mediação nos processos de comunicação entre equipes se tornaram recursos ainda mais importantes em nosso fazer. Nossa escuta, ferramenta essencial em nossa rotina, deixou de ser somente presencial. Atendimentos telefônicos com famílias e visitas virtuais foram constituindo uma nova forma de ser psicólogo dentro da CTI. Foram mais de seiscentas novas contratações e pessoas se (re)conhecendo através de máscaras. Se fez ainda mais necessário ações que aproximassem a tríade paciente, família e equipe. Os super crachás foram uma delas, assim como as fotos que colocamos no leito do paciente, enviadas pelos seus familiares. Fomos movidas/os pelo distanciamento entre equipe, paciente e família e trabalhamos na construção de um protocolo de visitas presenciais para que, mesmo em caráter de exceção, famílias pudessem se reencontrar. 

O momento que esperávamos, mas que não queríamos que acontecesse, chegou, decisões ainda mais difíceis a serem tomadas: escassez de recursos e falta de leitos de CTI. A Psicologia se manteve presente como um recurso importante para auxiliar as equipes nas tomadas de decisão. Fomos integrando nosso trabalho com equipes e entre as/os psicólogas/os do serviço de Psicologia, fomos nos aliando aos cuidados desses pacientes e de muitos outros que necessitavam de nosso olhar. Como no cartaz que estava disposto na porta do CTI na chegada do primeiro paciente: entre apenas se for imprescindível. Entramos neste universo com a certeza que o nosso trabalho é imprescindível! 

Elis de Pellegrin Rossi | CRP 07/15920 
Psicóloga do CTI do Hospital de Clínicas de Porto Alegre.
Preceptora da residência multiprofissional Ênfase adulto crítico.
Psicóloga pela Unisinos.
Mestre em Saúde Mental Infantil pela Tavistock Clinic – East London University.