PSICOLOGIA E PESQUISA

 

Cura Gay

Sabe-se que as orientações não heterossexuais foram, por muito tempo, alvos de “cura” pela Psicologia e Medicina. Utilizando métodos absurdos e teorias discriminatórias, muitas terapias foram desenvolvidas para tratar aquilo que foi lido como doença e desvio. Recentemente, mesmo com a proibição desse tipo de prática pelas principais instituições de saúde do mundo (inclusive no Brasil), relatos demonstram que essas terapias continuam vivas, ocultando-se cada vez mais. 

Buscando discutir essa questão foi lançado, em 2021 pela Editora Taverna, o livro ‘Cura gay – não há cura para o que não é doença’. A obra é inspirada em uma pesquisa científica com 692 psicólogas/os brasileiras/os, que se dispuseram a contar sobre a forma como lidam com os temas de sexualidade e gênero em suas clínicas. Além disso, são destacadas as questões jurídicas sobre o tema, os movimentos que arduamente buscam a permissão profissional desse tipo de prática, as discussões que a Psicologia Clínica vem propondo sobre as supostas origens das orientações sexuais, além do histórico da aplicação absurda das terapias modernas que buscam a conversão sexual (ou das variações de identidades e expressões de gênero). 

A obra expõe, por exemplo, que do total de psicólogas/os pesquisadas/os, aproximadamente 29% admitiram ter atitudes para corrigir/converter, quando a/o própria/o paciente faz esse pedido em terapia. Isso equivale a dizer que aproximadamente quase 1 em cada 3 psicoterapeutas brasileiras/os se propõe a mudar a orientação sexual de homo/bissexual para heterossexual quando uma/um paciente deseja e expressa isso em terapia. No geral, 12% das/os terapeutas demonstraram ter atitudes para mudar a orientação sexual quando não há este tipo de solicitação nas sessões. Tal dado revela que até mesmo o interesse voluntário das/os pacientes em receberem essas intervenções pode vir a ser desprezado. 

Sabendo dos avanços da Psicologia brasileira e do pioneirismo da Resolução do CFP nº 01/99 do Conselho Federal de Psicologia, esperava-se que já tivessem sido eliminadas da prática das/os psicólogas/os as visões teóricas que supõem que as relações problemáticas com os pais, abuso sexual ou qualquer outro evento adverso (ou agradável) ao longo da vida influenciassem diretamente na construção de uma orientação sexual. No entanto, o estudo discutido no livro demonstrou que cerca de 34% das/os psicólogas/os acreditam que a experiência traumática de abuso sexual pode conduzir a homo/bissexualidade, assim como 37% possuem a visão de que um suposto medo de uma relação com pessoas do outro sexo justificaria uma pessoa se desenvolver como gay, lésbica ou bissexual.

Refletindo sobre as análises estatísticas da pesquisa, a obra também discute sobre o conjunto de informações que melhor informa (em termos de probabilidade) sobre o perfil de terapeuta que mais faz ações convertendo a sexualidade de suas/seus pacientes, além de relatos em primeira mão e das perspectivas dos defensores (e daqueles que se opõem) dessas terapias.

A obra traz uma série de discussões teóricas e científicas sobre essas infelizes práticas, com informações atualizadas e dados numéricos – em uma linguagem acessível e direcionada a diferentes públicos. O livro “Cura Gay” trata de um tema polêmico, porém extremamente necessário para a diversidade sexual e de gênero.

A pesquisa que inspirou o livro é fruto do estudo de mestrado do autor e foi produzida também com outros Psicólogos: Mozer Miranda, Damião Soares e Angelo Brandelli, na PUCRS. O estudo foi publicado em 2020, em uma edição especial de orientações sexuais e identidades de gênero na revista cientifica do Conselho Federal de Psicologia. Acesse a pesquisa na íntegra em https://doi.org/10.1590/1982-3703003228539.

 

70% das/os profissionais acreditam em algum nível que existe uma teoria explicativa válida sobre a origem psicológica da homo/ bissexualidade masculina e feminina; 

55% possuem a percepção (em diferentes intensidades) de que ser gay ou lésbica é consequência de um excesso de identificação com um dos pais (possivelmente mais dominadora/or e controladora/or).

40% das/os psicólogas/os apresentam a visão de que a homo/bissexualidade é resultado de dinâmicas familiares patológicas ou disfuncionais.

Em relação aos principais grupos de abordagens teóricas da psicologia clínica brasileira, há a frequência: 

Terapeutas cognitivo-comportamentais: 30% acreditam que uma pessoa homo/ bissexual deve experimentar contato físico ou sexual com uma pessoa de outro gênero para ter certeza de sua orientação sexual; 

Psicanalistas e/ou terapeutas psicodinâmicas/os: 54% demonstram a visão de que existe uma causa para a homo/bissexualidade; 

Psicólogas/os sistêmicos e/ou familiares: 53% possuem a percepção de que as orientações não heterossexuais são o resultado de dinâmicas familiares patológicas/disfuncionais. 

Apesar disso, 65% das/os psicólogas/os se consideram muito ou bastante preparados para atender uma pessoa lésbica, gay ou bissexual. 

 

As/Os terapeutas que mais se propõem a converter um paciente LGB (quando ela/ele faz esse pedido) são psicólogos homens e com uma intensa crença religiosa atual.

Suas visões mais comuns sobre a homossexualidade são as seguintes: 

- “é uma patologia”;

- “as crianças que são criadas por pais/mães homo/bissexuais vão ter problemas no seu desenvolvimento psicológico”;

- “as pessoas homo e bissexuais no fundo têm um sentimento de que são inadequadas/os ou incompetentes para terem relações heterossexuais, e por isso são assim”;

- “se a/o paciente é gay ou lésbica, tem alguma causa ou justificativa para isso”. 

 

Sobre o autor: 

Jean Ícaro Pujol Vezzosi é gaúcho de Porto Alegre. Psicólogo (CRP 07/25585), graduado pela PUCRS, especialista em Psicoterapias Cognitivo-comportamentais e Mestre em Psicologia Social pela PUCRS.