OBSERVATÓRIO DE DIREITOS HUMANOS

 

Revogaço: reinvenções da manicomialização e do encarceramento da juventude

O Governo Federal, com apoio da Associação Brasileira de Psiquiatria e de grupos religiosos, ao final de 2020 e durante o recesso parlamentar, sem participação das categorias profissionais, do Controle Social ou da Comissão Intergestores Tripartite, realizou mais uma tentativa de golpe na democracia e na organização do SUS. “Revogaço” é o apelido dado à tentativa de revogação de uma série de portarias federais decorrentes da Lei da Reforma Psiquiátrica (Lei 10.216/01) que regulamentam o funcionamento e custeio dos dispositivos da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), como o Programa De Volta pra Casa (destinado às pessoas que viveram confinadas em hospitais psiquiátricos e de custódia), Consultórios na Rua, Serviços Residenciais Terapêuticos e CAPS.

Com o Revogaço, serviços substitutivos ao manicômio perderiam a dotação orçamentária para sua manutenção e destruiriam-se as diretrizes legais, éticas e políticas para a organização da atenção à saúde mental tal como fora concebida em seu caráter multiprofissional, intersetorial e com participação do Controle Social – abrindo precedente para que serviços historicamente promotores de exclusão, maus-tratos e violação de direitos humanos voltem a ser privilegiados como locais de tratamento.

A ameaça não é isolada. Está em curso, desde 2017, a orientação de recursos federais para hospitais psiquiátricos e Comunidades Terapêuticas (CTs) – os recursos para as CTs já superam os destinados aos CAPS AD no país. O tema foi objeto de duas audiências recentes da Comissão Interamericana de Direitos Humanos em 23/03 e 23/04/21 (a última em conjunto com o Conselho Nacional de Direitos Humanos - CNDH). Foram pautadas a reorientação dos recursos, o desrespeito aos marcos internacionais da saúde mental como a Declaração de Caracas e situações concretas de violações de direitos humanos em hospitais psiquiátricos e em CTs. O Governo Federal, em resposta, anunciou ainda mais investimento em CTs para adolescentes – afrontando o Estatuto da Criança e do Adolescente e legitimando uma nefasta realidade de encarceramento da população brasileira desde a sua juventude.

Frente a isso, entidades de defesa do SUS e da luta antimanicomial, o Sistema Conselhos de Psicologia e outros conselhos profissionais, o Conselho Nacional de Saúde, o CNDH, parlamentares e entidades do Controle Social mobilizaram-se na defesa da saúde mental antimanicomial. Destaque-se a criação da Frente Ampliada em Defesa da Saúde Mental, da Reforma Psiquiátrica e Luta Antimanicomial (FASM), com participação de usuários/ as da RAPS, trabalhadores/as, gestoras/es, membros do legislativo e executivo e estudantes.

Cristina Schwarz, Luciana Barcellos Fossi, Rafael Wolski de Oliveira