REPORTAGEM ESPECIAL

Psicologia, democracia, justiça e direitos humanos

 
A atuação da Psicologia deve estar pautada na democracia, na justiça e nos direitos humanos. Considerando isso, o Sistema Conselhos de Psicologia vem acompanhando e participando, desde as primeiras edições, das atividades do Fórum Social Mundial (FSM), movimentos que mobilizam milhares de pessoas em defesa de seus direitos, de seus territórios e na construção de “um outro mundo possível”, como diz o slogan do Fórum. 
 
“Se entendermos democracia e justiça como garantia igualitária de acesso a direitos, a Psicologia, nas suas mais diversas áreas de atuação e linhas teóricas, pode contribuir para a construção de mundos mais democráticos e justos a partir dos princípios do seu Código de Ética, notadamente atuando ‘com responsabilidade social, analisando crítica e historicamente a realidade política, econômica, social e cultural’, em cada um dos âmbitos em que estiver inserida. Para tanto, o Sistema Conselhos pode defender o controle social e a garantia de acesso às políticas públicas, participar e contribuir com o fortalecimento de movimentos sociais e das diversas formas de luta coletiva contra o racismo, a divisão de classes e o sexismo estruturais, assim como participar na construção de saídas para combater o encarceramento em massa, a reclusão manicomial (seja em hospitais psiquiátricos ou em comunidades terapêuticas). A Psicologia não pode posicionar-se de forma supostamente neutra perante mazelas tais como a fome, a miséria e a segregação”, defende a psicóloga Maynar Vorga, conselheira vice-presidenta do CRPRS.
 
Para Maynar, por ser um evento que promove a articulação entre os diferentes movimentos de resistência existentes na América Latina, a Psicologia deve estar inserida no FSR. “O combate ao racismo, à divisão de classes, ao sexismo e ao punitivismo (incluindo técnicas manicomiais e de encarceramento em massa) não se limita aos campos acadêmicos e de práticas no trabalho, pois precisa ocorrer em redes e articulações intersetoriais, as quais devem necessariamente incluir os movimentos sociais de resistência, de luta contra essas estruturas. Assim, a garantia de espaços para o diálogo com esses movimentos é também a garantia de orientação profissional e científica voltada ao enfrentamento dessas questões”.
 
A psicóloga Ana Luiza de Souza Castro, conselheira presidenta do CRPRS, lembra que o Fórum Social Mundial surgiu como resposta ao Fórum Econômico de Davos. “É importante ter outras organizações, outras formas de ver o mundo que não sejam pela lente da economia e do lucro, por isso o FSM é tão relevante”. Por ser uma profissão voltada ao cuidado da saúde, a Psicologia deve contribuir para melhorar a vida das pessoas, garantindo os direitos fundamentais, por isso a importância de estar junto a movimentos de resistência como os eventos do FSM. “Nós, profissionais da Psicologia, conselhos e organizações da categoria, não temos outro caminho que não seja o de continuar colaborando e resistindo. Já estamos no terceiro ano de pandemia, a vida das pessoas piorou muito, o sofrimento aumentou, sem falar das mortes desnecessárias que aconteceram, esse mais do que nunca é o momento que precisamos participar e continuar colaborando. Nos eventos do FSM são discutidos direitos humanos, políticas públicas, se apontam soluções para grandes problemas mundiais. Certamente a Psicologia tem, teve e sempre terá muito a colaborar com essas discussões”, avalia Ana Luiza, que participou de quase todas as organizações do FSM.
 
A psicóloga Carla Tomasi, conselheira do CRPRS que também integrava a gestão do Conselho em 2003, ano da terceira edição do FSM em Porto Alegre, recorda a alegria e a esperança de todas/os as/os envolvidas/os na época. “Naquela época, a Psicologia estava iniciando nas políticas públicas. Entendíamos que abríamos espaços para aquelas/es que não tinham acesso aos consultórios particulares, a escuta passava a ser contextualizada, entendíamos os problemas sociais e seus efeitos, o preconceito racial, a discriminação sexual advinda do patriarcado, acreditávamos, sim, em um novo mundo possível, parecia que estávamos no caminho”. Para Carla, apesar de a Psicologia seguir crescendo e se desenvolvendo como profissão, a humanidade retrocedeu em diversos aspectos, ficando algumas lutas cada vez mais difíceis. “Nossa participação no FSM é importante porque, apesar desse cenário de retrocessos e incertezas, resistimos. Não é fácil acreditar em outro mundo possível, mas desistir não é uma alternativa. A Psicologia está comprometida com esse ‘sonho’, com os direitos humanos, isso está em seu Código de Ética, em seu fazer, impossível ser diferente”.
 
 
 
Fórum Social das Resistências em 2022
 
Em 2022, o CRPRS participou de atividades do Fórum Social Mundial Justiça e Democracia (FSMJD) e do Fórum Social das Resistências (FSR), que aconteceram de forma on-line no final de janeiro. Nessa organização, o CRPRS se uniu a movimentos sociais que atuam resistindo e acreditando que um mundo mais justo e democrático é possível. Associação de Vítimas e Familiares de Vítimas da Covid-19 (AVICO), Rede Covid 19 Humanidades, Frente dos Coletivos Carcerários do RS, Associação Construção e Fórum Gaúcho de Saúde Mental. 
 
Maynar destaca a força de resistência desses movimentos. “A Frente dos Coletivos Carcerários é um movimento muito potente que se organizou durante o primeiro ano da pandemia, enquanto movimentos que já existiam sentiram dificuldades para se reorganizar devido às limitações para os encontros. De modo semelhante, a Associação de Vítimas e Familiares de Vítimas da Covid-19 (AVICO Brasil) foi fundada durante o maior colapso da saúde pública devido à pandemia, lutando não apenas pelo direito à vida, mas também pela memória, tão constituinte de humanidades. Também podemos identificar a força da resistência na pessoa do Cid Branco, artista e também usuário da Rede de Atenção Psicossocial, notadamente quando declara que é livre e indaga se é liberto, quando reivindica reconhecimento profissional, quando produz uma intervenção teatral profunda e sensível. E o que dizer da Lucineide Gomes, costureira, associada e cogestora da Associação Construção - empreendimento solidário que foi criado no contexto da RAPS e que conquistou autonomia – que nos ensina que o atendimento terapêutico não basta se não incluir o direito ao trabalho, aos resultados materiais disso, ao poder decisório, a ser sujeito do conhecimento, à cidadania e ao ativismo”.
 
Acesse crprs.org.br/fsr2022 e saiba como foram as atividades.
 
 
 

Por que resistir e seguir acreditando que um outro mundo é possível?

“Onde muita gente vê ‘pessoas mortas’, menos que humanas, eu vejo vida que resiste aos confinamentos, à necropolítica, à indiferença. Quando não somos o cerne da resistência, cabe-nos o papel de propiciar-lhe espaços, tempos, energias para que possa florescer” – Maynar Vorga (CRPRS)
 
“O meu conhecimento, tanto técnico quanto histórico, da questão dos direitos humanos é o que me impulsiona a seguir acreditando em positivas possibilidades. Entendo que a humanidade teve momentos muito complicados, no entanto, os coletivos da sociedade tiveram que resistir e continuar lutando ainda e apesar da dor. Como exemplo, podemos pensar nas vítimas do holocausto, testemunhas dessa grande violação de direito e desse grande crime contra a humanidade, e as mães da Praça de Maio, que tiveram seus filhos mortos pela ditadura militar argentina e que nunca desistiram de conquistar o direito à memória e à reparação. Ainda que possamos demorar para conquistar esse direito, devemos continuar nessa luta, não há outra maneira” – Paola Falceta (AVICO Brasil)
 
“Sigo o princípio da Rosa Luxemburgo: lutemos por uma sociedade socialmente igual, humanamente diferente, completamente livre na esperança de nos tornar libertários. Quando vejo tudo que eu já passei na minha vida, eletroconvulsoterapias, choques, a quantidade de remédio que tomava e ainda tomo, tudo isso me faz querer lutar mais, para que outros não tenham que passar pelo que já passei. Que eu consiga transmitir esperança através dos meus espetáculos, pois sem ela não conseguimos ir adiante. Poder resistir, poder mudar as coisas através do meu teatro é o que me faz continuar lutando. Não é o mundo que tenho que transformar, é a minha volta. Se eu transformo o que está ao meu entorno, eu transformo o mundo” – Cid Branco (ator, integrante do Fórum Gaúcho de Saúde Mental)
 
“Sabemos que o sistema prisional brasileiro é um sistema com irregularidades, abandono, abuso, escassez nos seus atendimentos, super lotação de pessoas, que em sua maioria jovens negras/os e pessoas de situação em vulnerabilidade social. Se pararmos com a luta pelos direitos das/os apenadas/os e familiares, nos restará apenas o massacre e sofrimento. Estamos sempre acompanhando tudo e apropriados das informações e não vamos aceitar nada que piore ainda mais essa situação. A pessoa sai do sistema prisional sem trabalho, sem estudo, tendo família para sustentar. É tanto julgamento da sociedade que a pessoa acaba voltando para vida do crime e assim a história se repete. Acredito sim em um novo mundo, com novas oportunidades e essa mudança deve vir de todos os lados para que a ressocialização possa acontecer” – Fernanda Monteiro Silva (Frente dos Coletivos Carcerários RS)
 
 
 
Confira algumas iniciativas do Sistema Conselhos no Fórum Social Mundial:
 
2002 – A Comissão Nacional de Direitos Humanos do CFP lança, durante o Fórum Social Mundial (FSM), a campanha “O preconceito racial humilha, a humilhação social faz sofrer”, propondo, pela primeira vez, um debate nacional sobre o racismo no âmbito do Sistema Conselhos.
 
2007 – CFP marca presença no 7º FSM, em Nairóbi no Quênia, para apresentação de oficina sobre direitos humanos e saúde mental no Brasil. 
 
2009 – O CRPRS participa da mesa “O estado que temos e o estado que queremos: contribuições da Psicologia” do FSM realizado em Belém do Pará. 
 
2010 – Durante o 10º Fórum Social Mundial, em Porto Alegre, CFP e CRPRS realizam manifestação contra o Ato Médico, mesas sobre temas ligados à saúde mental, cidadania e direitos humanos e promove a terceira edição da Nau da Liberdade, reunindo cerca de 200 pessoas a bordo do barco Cisne Branco para discutir sobre o tema da loucura. 
 
CFP promove o seminário “Sociedade, Trabalho, Justiça e Democracia: reflexões a partir da Psicologia” na programação do FSM. 
 
2012 – CFP, CRPRS e Sindicato dos Psicólogos marcaram presença na marcha de abertura do Fórum Social Temático defendendo a formulação de políticas públicas que efetivem direitos sociais e políticos e garantam a cidadania no Brasil.
 
2016 – CRPRS participa da marcha de abertura e de diversas atividades do Fórum Social Mundial, em Porto Alegre, em parceria com militantes da luta antimanicomial. 
 
2017 – CRPRS, em articulação política e de diálogo entre diversas organizações sociais, participa de atividades do FSR como “Assembleia dos Povos e Movimentos em Resistências”, “Saúde Mental e Resistência”, “Quais os impactos do desmonte da Política de Assistência Social na agenda 2030? Quais os desafios para atingir o desenvolvimento sustentável?”, “O estado atual da Política Nacional e da Política Estadual de Prevenção e Combate à Tortura”. 
 
2020 – Em Plenária do Conselho Nacional de Saúde realizada durante o FSR, CRPRS entrega carta aberta exigindo o fortalecimento do SUS e a transversalização da perspectiva de gênero e raça no planejamento e execução das políticas de atenção à saúde para o efetivo cumprimento do enfrentamento à violência contra as mulheres. 
 
CRPRS também participa da Marcha de Abertura, “Enfrentamento ao encarceramento em massa e ao genocídio das juventudes (negra, periférica e indígena), contra a criminalização das lutas, movimentos sociais e em defesa dos/as defensores de Direitos Humanos”, “Direito à Cidade, cidade sem Direitos – invisibilidade social e humanização do acesso à Justiça”, “Igualdade, Diversidade e Direitos Humanos”, “Relações étnico-raciais e saúde mental na conjuntura”, “Convergência das Migrações: contra o racismo e contra a xenofobia”.
 
2021 – Dentro da programação das atividades on-line do FSM, CRPRS promoveu, em parceria com CRP 20 – Amazonas e Roraima, a roda de conversa “De Norte a Sul do Brasil: as consequências do negacionismo na pandemia da Covid-19” e o II Colóquio Processos de Despatologização na Educação e na Saúde, organizada em parceria com Núcleo de Estudos em Políticas de Inclusão Escolar - UFRGS, Rede Unida, Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional RS, Faculdade de Educação da UFRGS, Escola Superior de Educação Física da UFPel e Despatologiza – Campinas/SP.