RELATO DE EXPERIÊNCIA

A Psicologia escolar no contexto da educação infantil

Meiridiane Domingues de Deus | CRP 07/29698
Psicóloga, pós-doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da UFSM/RS. Doutora em Psicologia pela UFSC/SC.

Os primeiros anos de vida são importantes para o desenvolvimento humano, mas é perceptível que há visibilidades e invisibilidades nestas fases da vida, no cenário brasileiro. Para algumas crianças, novos estímulos, novos contextos de aprendizagem e a possibilidade de aprender. Para crianças de alguns grupos sociais, ocorre a escassez de possibilidades e oportunidades, vivências marcadas pelo racismo, xenofobia, discriminações de gênero, carências, desamparo e abandonos. Essas questões estão presentes na educação infantil.

Ao atuar numa instituição de educação infantil precisamos entender, estudar e compreender o conjunto de relações presentes, de forma institucional com a perspectiva interseccional e decolonial. Atuar e vivenciar uma prática implicada na ética, no território e nas diversidades. Entender que cada pessoa ali possui uma história que é perpassada pela raça, etnia, gênero, classe social, deficiências, idade, pelos lugares de origem (no caso de pessoas imigrantes) e que essas questões influenciam e moldam existências e inexistências, aprendizagens e dificuldades, pertencimento e exclusões, e relações.

Utilizo essas questões para pensar esses espaços educacionais de modo a compreender a escola e permitir a criação de ações que busquem o respeito à diversidade e à existência de diferentes narrativas. Tudo isso de modo a pensar e compreender a educação infantil como um “local multicultural por excelência”, tal como referido por Flavio Santiago (2021). E, nas palavras de María Isabel Mena (2021), entendo que “se a sociedade é racista, a escola também reproduz esse fenômeno”, discrimina e invisibiliza pessoas, realidades e narrativas.

Minha experiência no cenário da educação infantil começa pela imersão, ação direcionada e contextualizada na escola. Olhar atento e dinâmico para as ausências, as presenças, os movimentos e as relações nas infâncias. Tudo isso fez e faz parte do meu processo de escuta e pesquisa nas instituições que atendem crianças. Mas, para acolher e compreender as infâncias, procurei também estar em contextos comunitários e periféricos.

As vivências que tive na educação infantil me possibilitaram perceber as questões de gênero, raça, etnia, deficiências e classe social presentes neste cenário. Na minha experiência, percebi que há um território feminino que se responsabiliza pelos cuidados das crianças. Exemplo disso são os processos de adaptação à pré-escola que, em sua maioria, são vivenciados por mulheres e crianças. As professoras e funcionárias são, em sua maioria, mulheres brancas. E a maioria das pessoas que trabalham com o cuidado e manutenção da escola são mulheres negras. Ou seja, é naturalizada a escassa presença masculina vinculada às tarefas de cuidado e ensino.

Percebi a ausência de crianças indígenas na educação infantil. Além disso, percebi a importância de escutar a diversidade de famílias (aquelas que a criança tem como referência), cuidadoras/es, bem como professoras/es, voluntárias/os, estagiárias/os e demais profissionais, para com isso entender o cenário da escola. Além disso, conhecer o Projeto Político-Pedagógico vigente para o aprimoramento das instituições. Compreender as concepções de infâncias presentes na escola e como as atividades são articuladas com as realidades apresentadas.

Em relação aos processos de práticas profissionais da Psicologia, saliento a importância da aprovação da Lei nº 13.935/2019 como forma de contribuir para o aprimoramento dos processos educativos, das relações, da visibilidade e compreensão das realidades e infâncias presentes no cenário escolar. Cabe reforçar que as/os profissionais de Psicologia devem ter uma prática profissional implicada e articulada com o território e as realidades, e não somente relacionada a um fazer clínico no espaço escolar.

Como psicóloga e pesquisadora, compreendo que lidar com as diversidades e complexidades presentes na escola é um exercício que demanda a busca de conhecimentos e uma prática profissional implicada e contextualizada.

Referências:

Brasil (2019). Lei 13.935, de 11 de dezembro de 2019 (Dispõe sobre a prestação de serviços de psicologia e de Serviço Social nas redes públicas de educação básica). presidência da República. Casa Civil. Recuperado de: https://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/_ato2019-2022/2019/lei/l13935.htm

Mena, M. I. (2021). Racismo e Infâncias.

Esquecimento deliberado?. In. Santiago, F. Eu quero ser o sol: crianças pequenininhas, culturas infantis, creche e intersecção. 2ª ed. São Carlos: pedro & João Editores.

Santiago, F. (2021). Eu quero ser o sol: crianças pequenininhas, culturas infantis, creche e intersecção. 2ª ed. São Carlos:pedro & João Editores.