REFLEXÕES

A Psicologia no enfrentamento da violência contra crianças e adolescentes

Jean Von Hohendorff | CRp 07/18256
Psicólogo, mestre e doutor em Psicologia, professor do programa de pós-graduação em Psicologia da Atitus Educação (Passo Fundo), onde coordena o grupo de pesquisa VIA-Redes (Violência, Infância, Adolescência e atuação das Redes de Proteção e de Atendimento), conselheiro do CRPRS.

Não é incomum que pessoas psicólogas deparem, nos mais diversos contextos de intervenção, com suspeitas ou confirmação de violência contra crianças e adolescentes. Diante disso, é imprescindível preparo para manejo dessas situações. No Código de Ética Profissional é indicado que o trabalho visando contribuir para a eliminação de quaisquer formas de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão é um dos princípios fundamentais da profissão.

Pessoas psicólogas devem ter muito bem elucidado o que é violência e quais os fatores que a predispõem. Por exemplo, o uso de punição física – a famosa palmada – com o pretenso objetivo de educar a criança, é uma forma de violência banalizada e que profissionais de diversas áreas tendem a não considerar como violência. O entendimento da violência requer estudo contínuo e pessoas psicólogas devem atentar para não repetirem discursos equivocados e superficiais sobre o tema.

Vivemos em um país que, desde a sua invasão, tem a violência como prática cotidiana. Foi por meio da violência que colonizadores dominaram os povos originários promovendo estupros, imposição de costumes e valores culturais. Na escravidão, pessoas negras foram exploradas, viviam em condições insalubres, eram estupradas e mortas diante da crença, autorizada pela Igreja, de que eram amaldiçoadas e, portanto, poderiam ser subjugadas pelas pessoas brancas.

A violência presente na invasão do Brasil e no período escravocrata se perpetua até hoje. É necessária atenção para que se perceba o que, efetivamente, contribui para que crianças e adolescentes sejam vítimas das mais variadas formas de violência, a começar pela violência estrutural, sendo esse um dos resquícios da lógica colonizadora e escravocrata do nosso país.

Sabe-se que cerca de 32 milhões* de crianças e adolescentes brasileiras/brasileiros vivem na pobreza, e que o Brasil é um país extremamente desigual. A falta de acesso à moradia, alimentação, saúde e educação se constitui como uma violência estrutural. Pessoas psicólogas devem saber disso e dos encaminhamentos necessários para a garantia de direitos. Outras condições também devem ser levadas em consideração no combate à violência, principalmente o racismo e as questões de gênero.

Crianças e adolescentes negras/negros são as/os que têm as piores condições de vida, pois são marginalizadas/marginalizados e hostilizadas/hostilizados por conta da sua cor de pele. Situações de racismo entre pares tendem a ser comuns nas escolas, bem como a falta de representatividade negra afeta o bem-estar psicológico de quem cresce acreditando ser menos por conta da cor da sua pele. Casos de racismo se configuram como violência psicológica e é necessário que qualquer pessoa psicóloga possua o preparo para atuar nessas situações, ainda mais tendo em vista a aprovação da Lei 13.935/2019.

Embora todas as crianças e adolescentes estejam em risco, sabe-se que aquelas/aqueles identificadas/ identificados com o gênero feminino tendem a sofrer mais violência por conta do machismo e do patriarcado. Em muitos casos, são obrigadas a fazer o trabalho doméstico, não possuem as mesmas oportunidades que seus pares do gênero masculino e tendem a ser em maior número nas situações notificadas de violência sexual. É preciso, também, considerar os prejuízos de uma socialização voltada à masculinidade tóxica para os meninos, que crescem acreditando não poder demonstrar sentimentos e que precisam ser invulneráveis.

Portanto, é necessário que cada pessoa psicóloga saiba da sua responsabilidade ética e política de proteção às crianças e aos adolescentes. Não há proteção sem que se respeite o art. 13 do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei Federal nº 8.069/1990), no qual é afirmado que qualquer profissional que tiver suspeita ou confirmação de violência contra criança e adolescente deve, imediatamente, realizar notificação** ao Conselho Tutelar. De forma complementar, profissionais de saúde devem realizar a notificação no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN).

Por vezes, o argumento do sigilo é utilizado como justificativa para a não realização da notificação. Trata- se de um engano, pois o Código de Ética deixa bem explícita qual conduta seguir: deve-se buscar o menor prejuízo nas situações que configurem conflito entre a necessidade de manutenção do sigilo e o disposto nos princípios fundamentais. Não há intervenção psicológica que dê conta de situações traumáticas como a violência, caso elas não sejam imediatamente cessadas por meio da notificação.

Saiba mais:

*“As Múltiplas Dimensões da Pobreza na Infância e na Adolescência no Brasil”, publicação da UNICEF, em: https://bit.ly/44Big7t.

** Nota de Orientação do CRpRS “Atuação das/os psicólogas/os em casos de violência contra criança e adolescente”, em: https://bit.ly/2yZRWXV.