EDITORIAL

 

O céu começa a fechar, o azul dá lugar a nuvens muito cinzas ditas carregadas de muita água, o sol que se mostrava, agora está escondido por detrás das nuvens, ventos uivam pelas frestas, os trovões rugem nos ouvidos e marcam os espaços com seus flashes. A cena pode ser, para alguns, felicidade, a estiagem dando lugar à cheia, para outros, medo e tensão. A chuva começa a cair, e enche cada mínimo espaço com a água que quando não consegue escorrer mais para o solo procura por onde fluir e, se não flui, empoça e inunda. O solo encharcado já não se sustenta e desmorona. O céu parece estar caindo sobre nós.

No nosso tempo contemporâneo continuamos atualizando os mecanismos e modos de explorar a Terra, retiramos de forma desenfreada as matérias-primas para seguir no fluxo do que é chamado de desenvolvimento e de progresso. Fechamos nossos olhos para o imperialismo e colonialismo que dão vida a este maquinário devastador. Naturalizamos este modo de habitar n’A Terra, como se houvesse outra Terra para existir se esta acabar.

Walter Benjamin já nos avisava do quanto ao olharmos para o progresso damos as costas a toda destruição, morte e ruínas deixadas para trás. Davi Kopenawa nos alerta para o que fazemos com o planeta, o extrativismo desenfreado, a exploração e a predação da Terra e dos recursos que ela nos oferece para vivermos. Enquanto quilombolas, indígenas e povos originários vivem e sobrevivem junto com a terra/Terra, nós, geralmente brancas/os-urbanizadas/os, não conseguimos aprender e inventar formas de habitar saudáveis e de cuidado com a nossa terra/Terra. Não nos damos conta de que o céu está caindo e ainda criamos políticas de morte para as populações que estão “segurando o céu”.

Neste ano, passamos por situações de catástrofes, por conta das chuvas, em muitos territórios do Rio Grande do Sul. Cidades foram destruídas por causa das inundações e desmoronamentos, fazendo populações perderem seus lares, trabalhos e familiares. Frente a este acontecimento e ao contexto de emergência, a Psicologia foi acionada.

Somos demandadas/os a trabalhar dentro do campo da Psicologia das emergências e desastres, no sentido de acolher, ouvir e acompanhar esses sujeitos na reconstrução de suas vidas. Não que tenhamos respostas certeiras, fórmulas e jeitos de fazer, mas podemos acompanhar, refletir sobre o acontecimento e produzir saúde e cuidado, nem que seja mínimo, potencializando a vida dos sujeitos, grupos e /ou comunidades que agora são atravessados por esta tragédia.

Precisamos pensar as configurações das cidades, as interseccionalidades e os grupos sociais que geralmente são mais atingidos pelos desastres. Territórios que diariamente passam por essas situações, mas que são invisibilizados por serem compostos por corpos que são ilutáveis. Como podemos nos implicar para segurar esse céu, abrir mão do “progresso” desenfreado e produzirmos um bem-viver com a Terra e com os múltiplos corpos? Que esta edição da revista Entrelinhas possa nos levar a respostas e novos caminhos possíveis.

Luis Henrique da Silva Souza | CRP 07/31246
Conselheiro do CRPRS e integrante da Comissão Editorial da Entrelinhas