REFLEXÕES

A atuação da/o psicóloga/o em situações de risco e os entrecruzamentos nas relações étnico-raciais, de classe e de gênero

Conselheiras/os do CRPRS
Camila Dutra dos Santos | CRP 07/28426
Thaíse Mendes Farias | CRP 07/28216
Luis Henrique da Silva Souza | CRP 07/31246

Estamos num cenário em que a ação humana tem propiciado diversas catástrofes. O aumento dos eventos climáticos, as pandemias e endemias, as guerras e outras situações têm se tornado notícia recorrente na mídia. O “novo normal” é o panorama no qual cotidianamente estamos expostas/ os a riscos como perdas de vidas, infraestruturas, meios de sobrevivência. Já escutamos previsões nas quais o desafio de um futuro próximo será em torno de novos eventos sociais, como as situações de migração em massa devido às catástrofes climáticas.

Nesse cenário escatológico há o prenúncio de mudanças muito drásticas no modo de vida da humanidade, resultando no surgimento da Psicologia das Emergências e Desastres: uma área do conhecimento “psi” relativamente nova, cuja demanda por pesquisas e intervenções práticas, no entanto, mostra-se urgente. Aliás, talvez hoje seja preciso questionar se é possível haver qualquer Psicologia sem olharmos profundamente para as emergências e desastres, diante da informação de que 45% das mortes nos últimos 50 anos foram em contextos de eventos extremos (desastres) e 91% dessas perdas ocorreram em países em desenvolvimento, como o Brasil, conforme relatório da Organização Meteorológica Mundial e do Escritório da ONU (hps://bit.ly/47szNQI).

A atuação da Psicologia em casos de emergências e desastres busca abordar a subjetividade das pessoas, considerando o sofrimento psíquico que enfrentam diante de um desastre, fatalidade e/ou calamidade pública, sem desconsiderar o atravessamento do contexto político e social desses sujeitos e acontecimentos. Portanto, é de suma urgência assinalar que os desastres naturais afetam cada vez mais pessoas em todo o mundo, causando danos físicos, perdas materiais e imateriais, além de uma instabilidade econômica-social. Isso resulta em sofrimento psicológico, especialmente para aquelas/ aqueles que já são vulnerabilizadas/os economicamente e socialmente, dentre outros cruzamentos, como a raça, a etnia e o gênero. Isso nos leva a considerar que em caso de desastres, as condições precárias de habitação, ou moradias em áreas de risco, comprometem de forma desproporcional as comunidades negras, indígenas e periféricas e, sobretudo, afetam as mulheres em detrimento dos homens. Portanto, essas pessoas estão mais vulneráveis a viverem nessas áreas devido à segregação residencial, desigualdade econômica e discriminação étnico-racial. Fundamentalmente, em países como o Brasil, fruto do processo colonial que ainda se faz pungente contiguamente na atualidade, sobretudo, na exploração da terra, da natureza e da vida como um todo.

De tal modo, é fundamental que a Psicologia possa vir a atuar enquanto práxis a partir de uma abordagem ética-política-sensível e inclusiva no manejo de desastres, levando em consideração as desigualdades sociais, étnico-raciais, de gênero e de classe. Isso envolve a implementação de políticas públicas que garantam o direito à moradia segura e digna para todas as comunidades, o combate ao racismo ambiental e a promoção da conscientização sobre as disparidades existentes, a fim de garantir uma resposta justa e equitativa em situações de desastre.

Portanto, o objetivo primário do atendimento psicológico nessas circunstâncias é o de contribuir para a satisfação das necessidades básicas das pessoas afetadas e a redução dos danos psíquicos e do estresse causado pelos desastres. Profissionais de Psicologia podem buscar ajudar as pessoas afetadas a tomarem decisões práticas para resolverem problemas urgentes, além de fornecerem apoio emocional e auxiliarem na busca por segurança e contato com familiares e amigas/os.

É importante ressaltar que, durante o atendimento, as/os profissionais de Psicologia devem sempre respeitar a ética do sigilo, garantindo a confidencialidade das informações compartilhadas pelas pessoas afetadas; o respeito às vivências e modos de existir frente à religiosidade, à finitude, aos ritos de passagem, bem como ao status econômico e social. Essas são características essenciais para o atendimento comprometido, ético e humanizado. Assim, ações outras, como preservar uma área de segurança, auxiliar no contato com entes queridas/os e verificar o estado delas/deles, são alguns dos exemplos de como as/os profissionais de Psicologia podem contribuir de forma prática e humanizada em situações de desastre.

 

Referências:

BARATA, R. B. Como e por que as desigualdades sociais fazem mal à saúde. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2009.

LOPES, F. Experiências desiguais ao nascer, viver, adoecer e morrer: tópicos em saúde da população negra. In: BATISTA, L. E.; KALCKMANN, S. (Org.) Seminário Saúde da População Negra no Estado de São Paulo 2004. São Paulo: Instituto de Saúde, 2005.

GÓMEZ, C. Saúde mental na gestão dos desastres: intervenção no cotidiano e nos eventos. In: I Seminário Nacional de Psicologia das Emergências e dos Desastres: Contribuições para a Construção de Comunidades mais Seguras, 2006, Brasília. Anais... Brasília: Finatec/ UNB, 2006.

HEREDIA, A. M. Psicologia e emergências sociais: intervenções nos cotidianos e eventos. In: I Seminário Nacional de Psicologia das Emergências e dos Desastres: Contribuições para a Construção de Comunidades mais Seguras, 2006, Brasília. Anais... Brasília: Finatec/UNB, 2006.