PSICOLOGIA E PESQUISA

Para além de imaginários apocalípticos: a Psicologia frente à emergência climática

Nina de Freitas Xavier Reckziegel | CRP 07/39537 
Psicóloga formada pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), ativista do movimento Eco Pelo Clima e psicóloga voluntária da equipe do Ambulatório Melanie Klein do Hospital Psiquiátrico São Pedro (HPSP).

O mês de setembro de 2023 ficará anotado como o mês mais quente já registrado na história da humanidade. No Rio Grande do Sul, o inverno deste ano foi marcado pela destruição no Vale do Taquari e de outras regiões ribeirinhas do Estado. Enquanto gaúchas/os são castigadas/os por chuvas que fazem rios carregarem para longe casas, lavouras e vidas - e com elas suas histórias - no norte do país, o maior corpo de água doce do mundo, o rio Amazonas, seca. Fatos como esses compõem o que chamamos de emergência climática e constituem-se como eventos entrelaçados, que se motivam e se agravam mutuamente, num efeito cascata. Como em um jogo de dominó, cada um dos desastres ecológicos é uma peça que derruba a outra, formando, em sua totalidade, a enlouquecedora imagem do fim do mundo. Trata-se de uma narrativa distópica, que perde o estatuto de representação e se torna futuro calculado. Quando a ciência apresenta o destino, surge a pergunta: o que fazer? Para dar conta da questão existencial aterradora, os sujeitos lançam mão de imaginários apocalípticos, buscando conceber o fato do fim coletivo psicologicamente. Ao falar de colapso climático, estamos falando de algo muito maior do que a nossa capacidade cognitiva e emocional de compreender e elaborar.

A mutação climática apresenta-se na forma de traumas sociais que deveriam nos convocar a todas/os, indivíduos e coletividade, cidadania, empresas e Estado, para que se repense profundamente a relação da humanidade com o ambiente. São traumas que vêm para romper o próprio tecido que recobre a inação, escancarando que o que vem sendo dito há décadas por cientistas e ativistas (e há séculos por povos tradicionais e originários), um anúncio que vem sendo ignorado, como um problema menor, a ser administrado depois. Dessa forma, o papel da Psicologia nessa reconfiguração de forças pode ser crucial. Entende-se a Psicologia como dispositivo para potencializar a vida, uma ferramenta que deveria escutar e pensar essa problemática para além do corpo. As problemáticas mais diretas, vinculadas aos corpos que sentem a crise antes, demandam escuta acima de tudo. Uma escuta que deve ser capaz de compreender que esses não são eventos isolados, um trauma individual que afetará uma ou outra pessoa mais frágil psiquicamente. Devemos reconhecer que vivemos em um mundo marcado por múltiplas catástrofes ambientais e que não existe solução imediata, nem medidas de reversão possíveis, muito menos de âmbito estritamente individual, para enfrentar os complexos problemas postos. É necessário que as pessoas - e aí se incluem as nações e suas organizações econômicas e políticas - modifiquem substancialmente suas relações com a terra. Porém, não cabe à Psicologia esperar que os desastres ocorram para então escutar os traumas. É fundamental que ela abra espaços de escuta e que possibilite que a manifestação dessa angústia se transforme em demanda efetiva de transformação, de possibilidade de movimento, saindo da paralisia e abrindo a possibilidade de imaginar um futuro que não seja o apocalipse. 

Os acontecimentos que se agravam a cada ano traçam em nosso futuro os contornos daquilo que forma a imagem do fim dos tempos, e tal imagem vem para encerrar as possibilidades de imaginar outras formas de viver. São imaginários apocalípticos, frente aos quais a angústia parece ser inevitável, e costuma surgir de forma paralisante. 

O trabalho de conclusão de curso ‘Para além de imaginários apocalípticos: a Psicologia frente à emergência climática’ tenta trazer à tona o questionamento sobre o que é o fim, ou melhor, elucidar do fim de qual mundo falamos quando nos referimos à iminência da crise climática. Afinal, para muitos povos, diversas culturas indígenas, moradores de regiões destruídas por alagamentos, por rompimento de barragens, o fim de seus mundos já chegou, e, mesmo assim, coube às/aos sobreviventes reinventarem formas de enfrentamento e busca de caminhos de continuidade e resistência. Nas palavras de Donna Haraway, é preciso viver com o horror e a alegria, e é com essa lógica dialética que será possível inventar outro futuro em meio à catástrofe.

Saiba mais: 
‘Para além de imaginários apocalípticos: a Psicologia frente às demandas da emergência climática’ é o título do trabalho de conclusão de curso de Nina de Freitas Xavier Reckziegel na UFRGS, orientado por Inês Hennigen.
Acesse a íntegra em hdl.handle.net/10183/262551