DICA CULTURAL

Ocupar: mulheres, terra e luta

Silvana Ribeiro | CRESS/RS-14213
Assistente social, doutoranda em Psicologia Social (UFRGS), docente no curso de Psicologia da Atitus Educação e integrante da crdenação do Projeto Ocupar: mulheres, terra e luta.

A gente não quer só comida, a gente quer comida diversão e arte.” É com este trecho da canção ‘Música e trabalho: Comida’, na voz de Elza Soares, que encerramos o documentário ‘Ocupar: mulheres, terra e luta’, lançado em outubro. Esta produção artesanal retrata algumas das experiências vivenciadas por moradoras de Ocupações Urbanas de Passo Fundo, uma cidade que contempla mais de 100 ocupações, que ultrapassam 14 mil habitantes (BORGES, 2023). 

Quais são os desafios e sonhos dessas moradoras? Que cidades elas desejam? O que pensam sobre as ocupações urbanas? O que elas desejam dizer para a sociedade? Narrativas como “a gente quer ter direito de tomar um banho quente” até “queremos que nos vejam como trabalhadoras e não como vagabundas que não querem trabalhar, visto que ocupar significa não ter outra possibilidade” são trechos que respondem às questões mencionadas. Este documentário, ao fortalecer espaços de fala para mulheres moradoras das ocupações, desafia as políticas públicas e as diversas profissões a repensar seu papel ético-político de atuação na sociedade. 

Saiba mais em https://www.instagram.com/ocupar.pf/

 

Coreografias do Impossível

Vinicius Cardoso Pasqualin (CRP 07/22901) 
Psicólogo, mestre em Psicologia Social e Institucional e doutorando em Educação (UFRGS), colaborador da Comissão de Educação do CRPRS.

A proposta da 35ª Bienal de São Paulo, realizada até 10/12, teve como tema ‘Coreografias do Impossível’ e explorou a ideia de como corpos em movimento podem coreografar o possível dentro do impossível. A equipe curatorial foi composta por Diane Lima, Grada Kilomba, Hélio Menezes e Manuel Borja-Villel e a abordagem foi horizontal e colaborativa, em vez de ter um curador-chefe. 

A ênfase estava na experiência coletiva e na ideia de que as/os visitantes, assim como a curadoria, são parte integrante da coreografia da Bienal. Essa edição representou uma abordagem inovadora, desafiando as estruturas tradicionais de curadoria e exposição de arte, e buscou criar um espaço de experimentação e reflexão sobre as possibilidades dentro do impossível. 

A Bienal nos ajudou a pensar uma Psicologia que emerge da arte, dos movimentos coletivos enunciados de vários corpos e suas marcas. Pensar o possível no impossível é o que convoca a Psicologia hoje. Isso significa reafirmar o compromisso ético-político da Psicologia, atualizando-se e posicionando-se para uma ética mais igualitária e por abordagens terapêuticas menos hierárquicas. Também pode ser vista como uma forma de “coreografar o impossível”. Encontrar maneiras de coreografar soluções e transformações em suas vidas com a abordagem espiralada ao tempo, a Bienal pode ser vista como uma metáfora para a complexidade da experiência humana e das mudanças ao longo do tempo. 

Na experiência de quem visitou a exposição, elenco alguns motes que me fizeram repensar minhas práticas e pensamentos, sendo: o desafio de normas e estruturas, mudança e transformação nas vidas, inclusão e diversidade, tempo e experiência. 

Fica o convite para conhecer mais os artistas que fizeram parte dessa Bienal e abrir-se para o sensível nesse contexto neoliberal brasileiro que funciona perfeitamente para que desencontros aconteçam, que produz fracasso escolar e que tem produzido uma demanda por saúde mental medicalizadora, patologizadora, manicomial, racista, lgbtfóbica e, principalmente, que desrespeita a terra. 

 

Para sentir-pensar territórios indígenas 

Gabriela Zucheo | CRP 07/22136 
Psicóloga, especialista em Saúde Mental Coletiva e Gestão de Políticas em Saúde com ênfase em Equidades em saúde.
Psicóloga na Secretaria de Saúde Indígena (Sesai) – Polo Base Porto Alegre, membro colaboradora na Comissão de Direitos Humanos do CRPRS. 

Na atualidade podemos ter acesso a importantes produções audiovisuais como forma de contar outras histórias e tentar romper com o perigo de uma história única, conforme nos ensina Chimamanda Adichie. Devemos reconhecer que há 523 anos os povos originários enfrentam uma guerra por território, mas também de resistência para fortalecer seu modo de ser diante do projeto colonial. Ao acompanharmos o retorno da discussão sobre a tese do Marco Temporal no STF e Congresso Nacional é importante tentarmos compreender a dimensão da ameaça que essa tese representa aos mais de 300 povos originários existentes no Brasil. 

Indico dois filmes de curta-metragem, produzidos por Guarani Mbya e Kaingang. Ambos evidenciam maneiras próprias de transmissão do conhecimento entre gerações, nas quais a terra aparece como meio e não como fim para produção da vida. As formas, imagens e sons nos transmitem de modo sensível os conhecimentos desses povos, que trazem sua indissociabilidade corpo-território e suas formas não hegemônicas de relação com a terra, transcendendo a lógica de demarcação. Como profissionais e estudantes da Psicologia devemos atentar ao que essa relação com o território implica em deslocamentos da nossa escuta que, historicamente, se encontra ancorada em teorias e práticas que dissociam corpo e mente, humano e natureza. 

‘GaVi’ (2022) é um filme de animação narrado por mulheres, que nos transmite uma tradição Kaingang - o feitio de artefatos a partir do barro e do fogo. ‘Avaxi Ete´i’ (2018) acompanha todo o processo de uma roça Guarani Mbya: o cultivo, a colheita e a ritualidade. Aparecem os diferentes significados do milho: da alimentação às suas representações divinas. Guarani Mbya e Kaingang são as duas etnias presentes hoje, em maior número populacional, no RS. 

Desejo que essas indicações cheguem como um convite à escuta destes povos tão próximos e tão distantes de nós, juruás e fógs (pessoas brancas nas línguas Guarani Mbya e Kaingang, respectivamente).