OBSERVATÓRIO DE DIREITOS HUMANOS

Uma Psicologia aliada às populações vulnerabilizadas

Leonardo de Oliveira | CRP 07/35302 
Psicólogo clínico e social (UNISC), mestre em Psicologia Social e Institucional pela UFRGS, onde pesquisa população de rua e arte. Trabalha como educador social em oficinas de expressão, poesia e criatividade e na produção de eventos culturais em territórios em disputa. É também escritor e músico, com dois livros publicados e diversos trabalhos fonográficos. 

A Constituição Brasileira de 1988, no artigo 6º, ao explicitar as garantias básicas à dignidade humana, traz como fundamental o direito à moradia, e como decorrência disso, a obrigação do Estado de formular políticas públicas que assegurem esse direito fundamental. Muitas coisas mudaram desde 1988, e outras permanecem inalteradas, ainda mais acentuadas, como a necessidade de reformas urbanas e agrárias em um país assentado na desigualdade social e concentração de riquezas, bens e propriedades. 

Nesse contexto, mesmo que na contínua tentativa de criminalização da qual são alvos, os movimentos sociais aparecem como uma frente de enfrentamento à precarização das relações de trabalho e direitos e à sanha neoliberal de tomada dos espaços públicos e urbanos a partir da especulação imobiliária e da privatização desenfreada. A lógica neoliberal e a ideia de livre mercado estão centradas discursivamente nos indivíduos, que possuem toda e qualquer agência possível de sucesso ou fracasso nas diferentes esferas de sua vida, inclusive na questão de habitação e moradia, justificando isso a partir da meritocracia. 

Essa individualização da vida política também opera em questões da própria saúde mental, e um certo tipo de Psicologia pode facilmente corroborar este discurso ao ignorar os atravessamentos políticos e sócio-históricos que produzem a vulnerabilidade social, a desigualdade e o sofrimento psíquico, dentro de uma assepsia dos sujeitos, tratados preferencialmente entre quatro paredes e em esfera íntima, apenas. Não que a clínica não seja possível e não seja importante, pelo contrário, mas para que ela seja, de fato, ética e produtora de saúde, não pode reduzir-se ao indivíduo e, por isso, a importância dos movimentos sociais e espaços coletivos compartilhados: espaços de luta e resistência são espaços políticos de saúde mental também. 

Uma Psicologia aliada às populações vulnerabilizadas, que são as mais impactadas pela degradação e pelo racismo ambiental e pelos efeitos das políticas urbanas privatistas e da especulação imobiliária, é necessariamente uma Psicologia que se coloca com o corpo e com um olhar complexo, localizado e implicado com os movimentos sociais e atenta aos direitos humanos e sua garantia. Saúde mental nunca anda descolada da política e da garantia de direitos, assim como a subjetividade, os espaços sociais e o meio ambiente. E esse deve ser o olhar também da Psicologia, principalmente no que tange ao enfrentamento dos desafios da crise climática e seus efeitos nas lutas por moradia.