REPORTAGEM PRINCIPAL


Em vigor desde novembro de 2018, a Resolução CFP nº 011/2018 mudou o regramento
para os atendimentos realizados por tecnologias da informação e comunicação (TICs),
ampliando as possibilidades de serviços oferecidos de forma online.

Atendimento online:
conheça as novas regras

Pela nova resolução, a/o psicóloga/o não fica obrigada/o a criar um site ou qualquer outro dispositivo virtual para prestar os atendimentos a distância, mas precisa realizar um credenciamento pela plataforma e-Psi (e-psi.cfp.org.br). Até o momento, mais de 300 psicólogas/os inscritas/os no CRPRS já se cadastraram na plataforma. “Esse número reflete nossa expectativa, pois havia uma demanda reprimida, principalmente entre psicólogas/os clínicas/os que desejavam atender pacientes que tinham se afastado geograficamente para outras regiões. Nesses casos, é importante o contato com uma/um psicóloga/o que já conheça sua história e que fale seu idioma”, analisa o conselheiro Cleon Cerezer, presidente da Comissão de Orientação e Fiscalização e integrante do Grupo de Trabalho do Conselho Federal de Psicologia (CFP) responsável pela atualização da resolução. Apesar da demanda crescente, o atendimento presencial, por ser mais personalizado, ainda é a forma preferida de contato tanto das/os psicólogas/os, quanto dos usuários dos serviços psicológicos.
 
No Brasil, já são mais de 5.100 cadastros nas diversas fases de inscrição, sendo que 1.776 cadastros já estão aprovados. “A categoria esperava essa atualização e a aceitou de imediato. O Sistema Conselhos está mais instrumentalizado para orientar e fiscalizar esta prática que vem sendo muito demandada a partir do crescimento dos recursos tecnológicos utilizados em nossa comunicação cotidiana”, afirma a conselheira do CFP, Rosane Granzotto.
 
A plataforma e-Psi desburocratiza e agiliza o processo, facilitando o credenciamento das/os profissionais para o atendimento a distância, já que credenciamento e análise são feitos de forma online. 
 

“Percebemos que alguns profissionais têm dúvidas principalmente no momento do preenchimento da fundamentação, etapa do cadastro em que deve descrever o que e como vai fazer e porque irá atender de forma online. Ressaltamos, no entanto, que, sem o preenchimento dessa etapa, o cadastro fica incompleto e não é analisado pelo Regional”, explica Cleon Cerezer.
 
Segundo levantamento realizado pela Área Técnica do CRPRS, a maioria das/os profissionais credenciadas/os até o momento utiliza a abordagem Cognitivo-Comportamental. Além disso, psicólogas/os que têm referencial psicanalítico, de modo geral, só pretendem recorrer a esse tipo de atendimento para situações pontuais em que o contato presencial não é possível. O atendimento online é proposto pelas/os psicólogas/os principalmente para adultos e adolescentes. Observa-se também que muitas/os psicólogas/os pretendem atender online brasileiros que residem no exterior. Há casos também de profissionais que estão residindo no exterior e que consultam o CRP para verificar se devem realizar o cadastro no e-Psi. “Nesses casos, alertamos que é indispensável, primeiramente, verificar a legislação profissional do país em que de fato residem. A manutenção do registro ativo no Brasil e a submissão de cadastro no e-Psi não os exime das responsabilidades em relação à habilitação profissional no país estrangeiro”, esclarecem o psicólogo fiscal Lucio Fernando Garcia, coordenador da Área Técnica do CRPRS, e a psicóloga fiscal Flávia Cardozo de Mattos.
 
Atuando com a prática clínica online há pouco mais de dois anos, Luan Paris Feijó, doutorando e mestre em Psicologia, pela Unisinos, membro do LAEPsi Unisinos, especialista em neuropsicopedagogia, estuda a temática desde 2016, pesquisando sobre o relacionamento terapêutico online por terapeutas, manejo das TICs por psicólogas/os e a avaliação do processo e resultado da psicoterapia online. “Comecei essa prática clínica com os pacientes que estavam em atendimento presencial, mas que  por diferentes motivos precisaram se ausentar das sessões. Esses atendimentos ocorriam conforme preconizava a Resolução do CFP n° 11/2012. Agora, com a mudança na resolução, passei a atender de forma online, sem ter sessão presencial, em uma plataforma que mantém protocolos para a segurança da informação. A ideia de usar um recurso de atendimento a distância, sem que eu consiga verificar se há confidencialidade sobre a transmissão dos dados e da sessão me causa preocupação. Por isso, defendo que temos que buscar ao máximo possível mecanismos de proteção no atendimento online, como também deixar claro a necessidade do sigilo por parte do paciente sobre o atendimento recebido”. 
 
Luan Feijó observa que as pessoas com transtornos de ansiedade são aquelas que mais aderem aos tratamentos online de acordo com pesquisas internacionais. Contudo, no Brasil, há carência de dados para traçar um perfil das pessoas atendidas. “Faltam evidências brasileiras sobre como a psicoterapia online funciona, pois ela pode parecer semelhante à psicoterapia presencial, mas não é igual”.
 
 
 
Para o psicólogo, a nova resolução simplificou o processo de cadastramento e permitiu a ampliação das formas de exercício profissional. Ele, no entanto, faz uma alerta: “como se trata de um assunto novo, se faz ainda mais necessário a atualização profissional”.
 
A possibilidade de ofertar os serviços psicológicos às pessoas em distintas regiões geográficas é citada por Luan Feijó como uma das vantagens do atendimento a distância. Além disso, algumas pessoas, em situações específicas de vida, preferem o atendimento a distância ao presencial. “Esse é o caso de pessoas introvertidas ou com  problemas com a sua imagem corporal que podem encontrar maior desinibição nesse contexto. Há  também benefícios para aqueles com  dificuldades de locomoção até o consultório, sejam por razões médicas ou psicológicas e ainda para os brasileiros que moram no exterior, pois muitas pessoas não conseguem profissionais falantes da sua língua materna onde estão”, afirma.
 
Maria Adélia Pieta, mestre e doutora em Psicologia com estágio de doutorado no Instituto de Psiquiatria, Psicologia e Neurociências do King’sCollege London e pós-doutoranda no PPG em Psicologia da UFRGS, considera que a psicoterapia online veio para ampliar o acesso e a acessibilidade ao tratamento psicológico. “Indivíduos que encontrariam grandes entraves em realizar uma psicoterapia presencial, como aqueles que vivem em regiões remotas, zonas rurais ou locais onde não há a presença de psicólogo, assim como pessoas com dificuldade de locomoção podem se beneficiar desse tipo de tratamento”.  Maria Adélia cita ainda pessoas com deficiência auditiva, como exemplo de um público que pode se favorecer de uma psicoterapia textual. O atendimento psicológico online também acaba sendo escolhido por aqueles que  preferem não enfrentar problemas de deslocamento até o consultório do psicólogo (como percorrer grandes distâncias, enfrentar trânsito intenso e dificuldades com meio de transporte) ou que têm dificuldade de conciliar suas agendas (como viagens frequentes de trabalho). “Para alguns indivíduos, o atendimento a distância pode ser a primeira oportunidade de estabelecer uma relação íntima em um setting seguro. Adolescentes também parecem sentir-se mais à vontade com essa forma de tratamento”.
 
Apesar de a psicoterapia online mostrar-se uma prática eficiente e capaz de reproduzir o que acontece nos encontros presenciais, nem todos os pacientes acabarão se beneficiando desse tipo de tratamento. “Alguns preferirão realizar uma terapia presencial e, quando essa for viável, é importante que a preferência do paciente seja respeitada. Além disso, a falta de segurança da Internet na privacidade e na confidencialidade, e a fragilidade de se depender da tecnologia são algumas limitações desse tipo de tratamento”, acredita Maria Adélia. Para ela, a nova Resolução está alinhada com as demandas da atualidade e vai no mesmo sentido das diretrizes de outros países onde a psicoterapia online já vem sendo praticada e regulada há tempo.
 

Novas possibilidades  de atendimento

Desde que não firam o Código de Ética, foram regulamentados pela nova resolução os seguintes serviços psicológicos online: consultas e atendimentos psicológicos; processos de seleção de pessoal; uso de instrumentos psicológicos regulamentados com parecer favorável do Sistema de Avaliação de Testes Psicológicos (Satepsi); e supervisão técnica.
 
A Resolução define consulta ou atendimento psicológico como o conjunto sistemático de procedimentos, por meio da utilização de métodos
e técnicas psicológicas do qual se presta um serviço nas diferentes áreas de atuação da Psicologia, com vistas à avaliação, à orientação ou à intervenção em processos individuais e grupais.
 
As/Os profissionais estão obrigadas/os a especificarem quais são os recursos tecnológicos utilizados para garantir o sigilo das informações e esclarecer o paciente sobre isso. Ficam obrigadas/os também a fazerem os registros dos atendimentos conforme preconiza a Resolução CFP nº 01/2009, que trata da obrigatoriedade do registro documental decorrente da prestação de serviços psicológicos.
 
O atendimento de pessoas e grupos em situação de urgência e emergência de forma online foi considerado inadequado e o atendimento em situação de violação de direitos ou de violência, vedado, segundo a nova norma.
 

SAIBA MAIS:

-> Resolução CFP nº 11/2018 que regulamenta a prestação de serviços psicológicos realizados por meios de tecnologias da informação e da comunicação e revoga a Resolução CFP nº 11/2012.

-> Resolução CRPRS n° 005/2018 que regulamenta os critérios para aprovação em nível regional do Cadastro Nacional de Profissionais para a Prestação de Serviços Psicológicos por meio de TICs.

-> Vídeo de Orientação sobre a Resolução CFP nº 011/2018.

-> Diálogo Digital promovido pelo CFP em 07/11/2018 sobre a Resolução 11/2018.

-> Live realizada pelo CRPRS sobre atendimento online em 06/06/2018.