PSICOLOGIA E PESQUISA


O artigo “Avaliação Psicológica no Século XXI: de Onde Viemos e para Onde Vamos” faz um
enquadramento amplo da avaliação psicológica dentre as atividades profissionais do psicólogo e
uma breve descrição reflexiva histórica, dos últimos 18 anos, dos esforços empreendidos pelo
Conselho Federal de Psicologia na tentativa de regulamentação da área, focando nas lições aprendidas.
Além disso, o texto apresenta os eventos científicos e históricos ocorridos nos últimos cinco anos,
especialmente no âmbito da inteligência artificial, os quais apontam para um novo papel da avaliação
psicológica no mundo. O artigo faz uma reflexão sobre as implicações dessas mudanças para o papel do
psicólogo e para a regulamentação de sua prática profissional.
 

Avaliação Psicológica
no século XXI


A avaliação psicológica é entendida como um método sistemático para obtenção de informações sobre o comportamento das pessoas, as quais serão usadas para inferir as suas características psicológicas. Ela ocorre em contextos delimitados com propósitos específicos, tais como: descrever as características das pessoas, predizer comportamentos futuros, fazer classificação diagnóstica e planejamento de intervenções e monitorar variáveis psicológicas.

A demanda desse conhecimento especializado faz com que a prática da avaliação psicológica seja precedida por um treinamento profissional no nível da graduação em Psicologia, cuja prática foi regulamentada pela Lei Federal de 1962. Desde então, importante número de denúncias de infrações ao código de ética da Psicologia por parte de seus profissionais, tem se referido a essa área, sendo esse, um tema recorrente, dadas suas consequências para as pessoas envolvidas. Diante dessa situação, o Conselho Federal de Psicologia criou o Sistema de Avaliação dos Testes Psicológicos (Satepsi) com o objetivo de elaborar um sistema de avaliação da qualidade dos instrumentos a partir de critérios científicos definidos pela área, os quais pudessem informar, aos profissionais, aqueles instrumentos que teriam as condições mínimas para uso profissional. 
 
No entanto, uma questão mais recente, que vem sendo discutida pela comissão consultiva do Satepsi e que ainda está viva no âmbito profissional é a questão do uso privativo dos testes psicológicos pelos psicólogos. Há uma tensão polarizada entre dois extremos: (a) de um lado, uma posição a favor do fechamento completo, adotada por profissionais/pesquisadores que defendem uma definição de teste psicológico abrangente e entendem que todos deveriam ser de uso privativo; e (b) do outro lado, uma posição favorável à abertura relativa, defendida por profissionais/pesquisadores que aceitam que alguns testes com características especiais poderiam ser de uso compartilhado com outras profissões específicas (medicina, educação, por exemplo). Nas discussões travadas sobre esse tema, a primeira posição sempre teve maioria entre os psicólogos.
 
A Lei Federal de 1962 afirma, explicitamente, que a restrição aos psicólogos existe somente quando o instrumento for usado para uma das quatro finalidades (em psicodiagnóstico, Psicologia Clínica, orientação psicoeducacional, seleção e orientação profissional). Assim, a lei não restringe o instrumento em si, mas o uso do instrumento nas finalidades especificadas. Desse modo, em outros casos, tais como monitoramento do desenvolvimento cognitivo e socioemocional de crianças e adolescentes, avaliação formativa da aprendizagem, entre outros, o uso não seria privativo. Como exemplos desse uso expandido das técnicas, teorias e instrumentos desenvolvidos pela Psicologia e que vêm sendo demandado por outras ciências, podem ser citados o Programme for International Student Assessment (PISA) e a Agenda Educacional de Aprendizagem Socioemocional, ambos envolvendo o monitoramento de características psicológicas de forma geral (e não individualizada), visando à obtenção de bases para a elaboração de políticas públicas. Por outro lado, exemplos de mau uso ético das técnicas psicométricas baseadas em dados disponíveis em redes sociais, com vistas à criação de instrumentos psicológicos a partir da análise do comportamento digital foi explicitado nas eleições presidenciais americanas em 2016. Nesse caso foi possível ver a avaliação psicológica tendo seu uso transformado pelas técnicas atuais e avançadas da inteligência artificial. 
 
Conforme se demonstrou, os instrumentos de avaliação já ultrapassaram os limites do consultório e controle exclusivo do psicólogo, sendo compartilhados com outras ciências em propósitos mais amplos que vão além do trabalho mais tradicional do psicólogo. Assim é necessária uma reflexão e construção de orientações de boas práticas da Psicologia na sua relação com outras ciências, dentro de um trabalho interdisciplinar. Esse é um dos principais desafios do Satepsi para o século XXI.

Ricardo Primi
Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Psicologia, Universidade São Francisco
 
Artigo original publicado na revista Psicologia: Ciência e Profissão, volume 38, 2018.
Disponível em: https://doi.org/10.1590/1982-3703000209814.
 
Versão resumida por Tatiana de Cassia Nakano.