A proposta de regulamentação da Polícia Penal no Rio Grande do Sul, recentemente apresentada pelo Governo aos servidores do Sistema Prisional, não contempla de forma adequada as reais condições de trabalho às quais são submetidas/os, de maneira irregular, os Técnicos Superiores Penitenciários – Psicólogas/os.
A atuação da Psicologia nas unidades prisionais está prevista na Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210/1984) como atividade-fim de alta complexidade. As/os profissionais integram a Comissão Técnica de Classificação (CTC), elaboram programas de tratamento penal e atuam na prevenção da reincidência, na mediação de crises e no manejo de conflitos institucionais.
No entanto, o que se observa cotidianamente é o desvio de função, no qual essas/es profissionais são compelidas/os a realizar tarefas que não correspondem ao seu cargo ou que estão em desacordo com as atribuições da Psicologia, como, por exemplo, a apresentação de prontuários de atendimento a agentes da Polícia Penal — prática vedada pelo Conselho Federal de Psicologia. Além disso, há casos em que se exige que psicólogas/os realizem condução de apenados, dispensação de medicamentos, entre outras atividades que descaracterizam a sua função. Trata-se de uma atuação presencial nas unidades, em condições frequentemente insalubres e de risco, com vínculo direto com a instituição.
Diferentemente de profissionais provenientes de outras instituições, essas/es servidoras/es não demandam escolta, o que reduz a sobrecarga operacional e otimiza o funcionamento da rotina prisional. Essa integração institucional não pode ser desmantelada sem graves prejuízos à segurança e à eficiência do sistema.
Fragilizar essa função é abrir caminho para o agravamento da violência, o desperdício de recursos públicos e a ruptura de vínculos institucionais já consolidados. O projeto de lei em discussão deveria ser mais rigoroso e explícito quanto à proibição do exercício de funções distintas daquelas previstas no concurso público, assegurando a autonomia técnica e a continuidade dos atendimentos realizados pelas/os psicólogas/os.
Os editais de concurso da SUSEPE reconhecem o cargo de Psicólogo Penitenciário como de natureza específica, exigindo formação superior na área e registro no Conselho Regional de Psicologia, o que reafirma seu caráter técnico e regulamentado. Ignorar esse reconhecimento legal equivale a deslegitimar uma função estruturada pelo próprio Estado.
A descaracterização do cargo representa um grave retrocesso institucional, cujas consequências incluem o esvaziamento das equipes técnicas, o aumento da reincidência, o desvio de função e a insegurança jurídica. Enfraquecer a atuação técnica da Psicologia no Sistema Prisional significa perpetuar omissões estruturais já reconhecidas como inconstitucionais na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 347, na qual o Supremo Tribunal Federal apontou a falência do Estado em garantir os direitos fundamentais das pessoas privadas de liberdade. Como exemplo desse retrocesso, citamos a proposta de nova nomenclatura que reduz o papel técnico desses profissionais à condição de “apoio”, ignorando a legislação vigente e comprometendo um dos pilares essenciais da execução penal.
Essa medida compromete a eficácia das políticas de responsabilização e reintegração social, com impactos diretos sobre a segurança pública e a gestão do sistema penitenciário.
Por fim, o Conselho Regional de Psicologia do Rio Grande do Sul (CRPRS) reitera que acompanhará com atenção todo o processo de regulamentação da Polícia Penal e atuará com firmeza diante de qualquer tentativa de exercício irregular da profissão ou de interferência indevida nas atribuições técnicas das/os psicólogas/os, zelando pelo cumprimento da legislação profissional e pela proteção da sociedade.